Estão todos mortos
Nas palavras de Alberto Seixas Santos, foi com o decorrer do tempo que percebeu que no centro da sua obra está sempre a ideia de morte: morte do salazarismo em “Brandos Costumes”, morte da revolução em “Gestos e Fragmentos”, morte do colonialismo em “Paraíso Perdido”, morte dos afectos em “Mal”. Dado que em “Mal”, para além dessa morte dos afectos, se encenava uma espécie de apocalipse, um fim do mundo, apetece dizer que no seu último filme, “E O Tempo Passa”, estão já todos mortos. Nos dois filmes anteriores (ou nos três, contando com “A Rapariga da Mão Morta”), filmes em que depois das primeiras obras, Seixas Santos trabalhava mais próximo de uma ideia mais canónica de ficção, havia ainda uma pequena centelha de desejo de vida, apesar dos medos em “Paraíso Perdido”, apesar da doença em “Mal”. Ora, em “E O Tempo Passa” essa centelha já não existe e o cinema de Alberto Seixas Santos existe num ambiente, então, pós-apocalíptico. Quando não se está num outro lado – a personagem de Isabel Ruth, sem vida para com quem a rodeia, presa por um fio que são as conversas ilusórias que mantém com o marido, morto há muito – está-se num décor de telenovela (a falsidade), onde a estrela principal mantém um registo zombiesco, quer estejam ou não a gravar, a estrela adolescente está apaixonado pela estrela principal, quer estejam ou não a gravar, um “intruso” nas filmagens tem os mesmos sentimentos para com os actores e com as personagens, não as sabendo distinguir, os técnicos e produtores falam como máquinas de uma linha de produção. Quer estejam ou não a gravar. Por isso é aleatória a decisão do realizador deixar em campo a gravação da telenovela ou a própria telenovela (onde, já agora, as caricaturas de personagem representam somente a morte destes registos estafados de ficção): nenhum personagem de “E O Tempo Passa” distingue um registo do outro. Não é novidade dizer que o cinema de Alberto Seixas Santos ruma desde há muito por um desencanto, um pessimismo aliado a uma geração que em pouco tempo perdeu qualquer esperança nascida com a revolução de 74. “E O Tempo Passa” poderá ser um culminar, o filme do pós-apocalipse, uma última ficção onde o desejo de real ainda arde (o cinema não morreu, Sr. Alberto). É um nocturno desencantado, personagens que vivem num mundo com pouca luz. Se não me falha a memória (só vi o filme uma vez), o único plano mais luminoso, excluindo os da telenovela, é o daquele movimento de câmara que encaminha Isabel Ruth para a árvore que recebe nos seus ramos o vento (o cinema não morreu, Sr. Alberto) e em que se opera uma elipse para a morte de que só os grandes são capazes. (Cruel ironia, foi também zombiesca a vida de “E O Tempo Passa”, reduzido das 15 sessões na primeira semana a 5 na segunda – divididas por Almada, Amoreiras e Alvaláxia. Sem direito a terceira semana. No Público, o filme é ignorado. Curiosamente, aquando de Deus Godard, pediram uma opinião a Alberto Seixas Santos para na semana seguinte ignorarem a estreia do seu filme e duas semanas depois nenhum dos seus agora três críticos ainda o ter visto. Ocupados com Ozon, Deneuve e Huppert, com certeza.)
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