Tuesday, February 10, 2009

Berlinale sem tapete vermelho #2

Secção Retrospectiva 70mm - Bigger Than Life


"Chyenne Autumn", John Ford

Nunca tinho visto um filme projectado em 70mm. Fico naturalmente contente pela experiência, ainda mais tendo sido com um Ford, com "Cheyenne Autumn". No entanto, vale a pena pensar sobre o acto de programação que a Berlinale levou aqui a cabo. Cada vez menos se projecta em 70mm, é um formato esquecido - e será novamente um formato esquecido assim que o festival acabe. "Mais vale uma lembrança ocasional", dir-me-ão alguns, mas estranho esta vertente museológica por parte de um grande festival. Parece-me antes algo muito fácil, programar através de formatos. A preguiça da programação vai-se contaminando, digo eu pessimista.

Quanto a "Cheyenne Autumn", o que posso eu ainda acrescentar? Sinto-me entre não estar à altura de um filme de Ford ou ter fortíssima probabilidade de chover no molhado. Ford é para mim, juntamente com Ozu, o maior cineasta da implosão. Nos seus melhores filmes tudo implode, porque Ford trabalha sobre sentimentos que nos dá a ver sem nunca nada nos mostrar. E essa é uma das maiores vertentes do grande cinema. Fala-se num mea culpa de Ford, mas o que acho ainda mais importante do que isso é que isso não leve Ford a qualificar os americanos de mauzinhos - Ford nunca seria tão burro. Isso é, então, fundamental num cinema tão ligado à ideia de América. E isto não é puxar a brasa à sua sardinha, pois o que ele faz com "Cheyenne Autumn" é uma inversão do ponto de vista. Quando o ponto de vista era americano, todos os nativos americanos eram mauzinhos? Não. E quando não se "cai para um lado", ficam os valores, os sentimentos. O cinema de Ford é a justeza com que se os filma.

Fica-me uma sequência: Richard Widmark a entrar no quarto da criança ferida e a ajudá-la a soletrar a palavra comboio, que a criança desenhou. Sabemos que Widmark ama a professora (esse belíssimo movimento da câmara a mostrar-nos "Will you marry me?" no quadro da escola), mas os sentimentos desta em em relação a ele são menos claros. Antes de Widmark sair do quarto a professora imita a forma como ele soletrou, rindo-se, e pondo levemente a mão no ombro de Widmark enquanto regressa para perto da criança. Nada mais diz como nada mais diz Widmark. Não é preciso, já vimos tudo.

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