Sunday, January 04, 2009

Fazer um filme

Muita gente terá visto “Shock Corridor” (Samuel Fuller, 1963), mas quem terá visto “Behind Locked Doors” (Oscar “Budd” Boetticher, 1948)? Não é para pôr em causa o primeiro, que, em todo o caso, é superior ao segundo. Inesquecível como Samuel Fuller trabalha a psicologia com a sua câmara e não com os seus actores (será sempre a diferença entre ele e um Elia Kazan), levando o cinema a avançar como diz o João Bénard da Costa numa qualquer folha da cinemateca de um qualquer outro filme de que já não me recordo.

Mas “Behind Locked Doors” porque a estória que o filme conta é muito parecida à do filme de Fuller (se é que estas estórias são estórias). No entanto, estamos na Hollywood série B, onde os filmes se faziam sem dinheiro, mas com muito cinema. E é notável como, em três ou quatro cenários, se prolonga uma narrativa que vai desde um encontro entre um homem, detective privado, e uma mulher, jornalista, que convence o primeiro a fazer-se por depressivo para poder penetrar num hospital psiquiátrico em busca de um fugitivo, até aos compadrios que deterioram as condições desse hospital, com enfase exactamente nestes dois pontos. Se por um lado o lado thriller sai da mise-en-scène artesanal de Boetticher nunca parando o ritmo rápido do filme (62 minutos de filme a um ritmo elevado…), ao mesmo tempo as pequenas visitas da mulher ao homem prolongam os seus afectos (inexistentes ao princípio) sem com isso desacelerar a narrativa.

Isto tudo não pode só ser feito com habilidade técnica – que é imensa, basta ver o trabalho de iluminação, por exemplo. Ao artesanato junta-se uma crença profunda no cinema e nos valores humanos que esse mesmo cinema pode permitir. Como se à falta de dinheiro para produzir um filme, se opusesse sempre uma abundância de sentimentos e complexidades humanas a trabalhar – é isso que, quero acreditar, faz um filme possível de existir.

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