Friday, July 04, 2008

Escola de cinema

Entro no Estádio, sento-me de frente para a portada, aberta, aí a uns cinco metros dela; peço uma Super Bock. Rapidamente, dou por mim de olhar fixo na portada, em forma de scope vertical, vendo as pessoas e carros a atravessar o enquadramento, da esquerda para a direita, da direita para a esquerda, em primeiro plano e em profundidade de campo. Todo o tipo de carros, todo o tipo de pessoas, mas sobretudo turistas. Os momentos de que mais gosto nesse plano fixo são aqueles em que não há nem pessoas nem carros, apenas a rua, o passeio e a parede. Não duram muitos segundos, mas são sem dúvida os melhores, contracampo de um movimento absurdo dos restantes momentos. O som também é melhor, pois desaparece o barulho dos motores e do pneu na estrada, permitindo que melhor se ouça a discussão animada que acontece nas minhas costas. Na mesa do dono do tasco, um velhote, que julgo já o ter visto lá mais vezes, e a velhota de todos os dias, que sabe as respostas quase todas do Quem Quer Ser Milionário?, discutem os judeus, ela defendendo-os (e a si - afirma-se judaica), ele, pelo contrário, dizendo que "é raça que não dá um prato de sopa a ninguém" entre outras coisas, dando cabo, como ela diz, "da sua boa disposição". É este o som mais activo do plano, pois que os mais intressantes julgo serem os ligeiros grunhidos do senhor que à minha esquerda lê o jornal enquanto bebe água com gás e o som das mordidas do senhor à minha direita na bucha, que o próprio fez com pão e queijo que tinha nuns sacos de plástico que com ele traz e que despeja com várias Super Bocks. É um espantoso filme de mais ou menos trinta minutos e que é brutalmente interrompido às 20h00 com o ligar da televisão e o começo do Telejornal.

5 Comments:

Blogger M. said...

Tenho saudades do Estádio. E do Manel também :)

8:30 PM  
Blogger Capitão Napalm said...

Quando lá voltar, pago a Superbock só com moedas de um cêntimo.

12:16 AM  
Blogger Daniel Pereira said...

Andas a brincar com quem trabalha.

9:04 AM  
Blogger Daniel said...

É esta a verdadeira poesia que nos rodeia todos os dias, e que é tantas vezes asfixiada pelo poluidor ruído citadino. Talvez o sucesso de um American Splendor se dê porque a vida é toda ela feita de poesia, ao virar de cada esquina. A diferença entre o comum mortal e o artista é que o artista tem consciência dessa poesia. A diferença entre o artista e o criador é que o criador não só tem essa consciência como também a perpetua criando a poesia e sendo essa mesma poesia: poeta e poema num só.

Saudações,
Daniel

4:34 PM  
Blogger Unknown said...

muito bom.

4:39 PM  

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