Sunday, June 15, 2008

Cinema português

Os seguintes textos, escritos por mim, serviram como folha de sala dos respectivos filmes, exibidos no ciclo de cinema do Congresso Feminista.


"Fora da Lei", Leonor Areal, 2006

Encare-se a programação de “Fora da Lei” no ciclo de cinema do Congresso Feminista como ponto de partida. Isto é, tome-se a questão da homossexualidade como ponto de partida para questionar uma marginalização, qualquer uma. Não se trata de relativizar a descriminação específica vista no filme, descriminação baseada na orientação sexual do casal protagonista (Teresa e Helena), mas de nos colocarmos, espectadores, o mais perto possível da distanciação conseguida por Leonor Areal.

Essa distância permite-nos, por exemplo, perceber que “Fora da Lei” não é um filme militante, mas, sim, um filme que quer dar visibilidade a quem ela não é dada – aqui estamos já do lado dos(as) marginalizados. Pode-se questionar o facto do aproveitamento dos media já lhes ter dado visibilidade. Respondemos com outra questão: que tipo de visibilidade é essa? Tentamos responder: uma visibilidade oportunista e vampiresca como tem sido apanágio dos media, em particular, da televisão. Ora, a visibilidade proposta por Leonor Areal vai no sentido contrário, isto é, tirando os primeiros minutos do filme, que se ocupam do acontecimento (a tentativa e a anulação do casamento), todo o filme acompanha o casal (e a filha de Helena, Marisa) no período pós-hype. Esta, sim, é uma visibilidade ética.

Ainda ético da parte de Areal é mostrar as personagens de forma imparcial. Dando-lhes visibilidade, a realizadora não exclui imagens e sons que põem em causa as opções ou opiniões de Teresa e Helena. A reacção dos media e consequente condicionamento da vida privada do casal, inesperados para este, ou a procura de emprego estar a ser dificultada pela descriminação baseada na homossexualidade, como diz Teresa, questões de fácil contraposição por parte do espectador, estão, também, no filme.

Assim, reforçando o que já foi escrito atrás, “Fora da Lei” assume-se como um documentário disponível para olhar uma marginalização sem que isso faça da câmara uma bandeira. Entender a marginalização, mas dar ênfase ao humano, eis o grande trunfo do filme de Leonor Areal.


"Estrela da Tarde", Madalena Miranda, 2004

É, porventura, sintomático que trinta anos após o 25 de Abril de 1974 se continue a filmar a sua (não) consequência. Sim, “Estrela da Tarde” parte da frustração pessoal de Maria Helena para filmar um fracasso – esse mesmo, o da Revolução dos Cravos. Madalena Miranda não é caso único – mais cineastas têm abordado, e questionado, esse marco –, mas o seu filme prende por conseguir partir discretamente do particular para o universal.

No caso específico deste filme, o fracasso é filmado através da condição de mulher, personificada por Maria Helena. O facto de crer na união, no comunismo, não é de menor importância. Maria Helena é alguém que acreditou na Revolução como libertação, mas, também, e o que talvez interesse mais explorar, como emancipação da mulher. Daí que haja momentos com um peso terrível no filme, terríveis na indecisão de Maria Helena entre continuar a acreditar ou assumir o fracasso. O primeiro caso exemplificado pela forma como reage ao ouvir “Grândola, Vila Morena”, de Zeca Afonso, a acariciar a fotografia de Che Guevara, a agradecer a Revolução, pois ela sabe como era antes dela: as mulheres trabalhavam em prol da família, estavam condicionadas. É a partir deste último exemplo que a ambiguidade de sentimentos surge com mais força, já que em “Estrela da Tarde”, Maria Helena está em casa a fazer exactamente o mesmo. Não era isso que ela esperava, diz. Não era isso que as mulheres portuguesas da sua geração esperavam.

A certa altura, Maria Helena diz que aquele é o Dia Internacional da Mulher. Nós, crentes no cinema, sabemos que, nesse dia, Madalena Miranda não foi filmar uma mulher desencantada fazendo as suas limpezas. Madalena Miranda foi oferecer um filme a Maria Helena, dar-lhe a visibilidade que ela merece (e, assim, à sua geração), mostrá-la a declamar e a cantar tão bem a sua condição.

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