Sunday, March 09, 2008

Sábado à noite

Em "Michael Clayton" incomoda-me aquilo que cada vez mais me incomoda na maior parte do cinema contemporâneo: o argumento. Sendo filme de argumentista, não poderia esperar muito mais e a verdade é que lá fui contemplado com um argumento inteligente, cheio de truques como gosto de dizer, em que nada fica para trás. Mesmo que se diga que narrativamente o filme até se safa isso também é devido à montagem, que, digo eu, já vem do argumento também. É visivelmente um esquema preenchido como tantos outros filmes. E quando o esquema é notório, sente-se sempre o filme de forma mecânica (como é Clooney, apesar do carisma). Não acho que seja um filme a ignorar, por alguma razão o cinema político está outra vez em voga e mesmo quando os filmes são fracos, acho bem que existam porque são o suficiente para espectadores, na sua maioria, também fracos. Tilda Swinton é excelente e o último plano também - é o momento orgânico do filme, quando o peso de Clooney deixa de ser pose e se torna real.

"John Rambo" pisa os anteriores dois filmes como "Rocky Balboa" pisava os anteriores quatro. Não há muito mais a dizer do que já tem sido dito: é preciso pensar (façam lá isso senhores críticos de cinema e de sistemas de transporte urbanos) quem no cinema americano expõe de forma tão directa uma chacina que existe na Birmânia sem daí querer tirar mensagens demagógicas, mas porque ao mesmo tempo que é background de consciência política, é background para uma personagem. Stallone continua a surpreender; eu pelo menos não esperava ver cabeças cortadas, mebros amputados e violações sem voyeurismo. A câmara mexe muito, não pode haver tudo, mas é salutar constatar que em vez de se cortar a torto e a direito se tenha escolhido acelerar planos - vê-se mais, de facto. Violência série-que-quiserem não gratuita, que é basicamente o que acontece o filme todo, para, no final, Rambo regressar a casa. Assim: depois de muito tempo desaparecido, Rambo regressa a casa. "Que casa é esta?" é questão a fazer, claro, mas aí está Sylvester Stallone a continuar a encenar nos seus filmes a sua própria exclusão, o seu combate consigo próprio e a coragem de reaparecer vindo de um outro tempo. É comovente.

4 Comments:

Blogger José Oliveira said...

comovente é a palavra certa para todos os grandes filmes de Stallone, este, o primeiro e último Rocky, o primeiro Rambo, mesmo em coppland,e, acredito, num filme que me apetece muito ver: Paradise Alley, de 1978.

Cumprimentos

2:44 PM  
Blogger Daniel Pereira said...

Faltam-me cento e tal megas para ter o "Paradise Alley", depois passo isso.

4:12 PM  
Blogger Ricardo said...

Belo texto sobre o Rambo. É bom ver cinéfilos que não têm vergonha de clamar alto que gostam do filme.

Abraço.

9:08 PM  
Blogger Ricardo said...

P.S: A tirada contra "o crítico de sistemas de transporte urbanos" é hilariante!!

9:11 PM  

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