Friday, March 21, 2008

Politicamente incorrecto bem comportado

A expressão que utilizei no post abaixo faz-me lembrar o "Juno", filme que me fez pensar um pouco. Acho que interessa menos aquilo que está no filme, isto é, se a personagem é divertida (eu ri-me bastante), se o argumento é interessante, se o Reitman sabe fazer alguma coisa dele; interessa-me pensar no filme enquanto objecto saído de um determinado contexto e o que, dessa forma, representa.

O contexto é, então, o que se insiste em chamar cinema indie. É preciso comparar filmes como "Juno", que põe no centro uma personagem "diferente", com filmes que nos anos 80 começaram a ser catalogados como indie. Escolho Jarmusch e os seus primeiros filmes porque gosto muito deles, mas também porque os seus personagens são "diferentes". O que se extrai desta comparação? Para mim, e obviamente, há toda uma diferença política.

Em "Juno" o políticamente incorrecto é virtuosismo, é verborreia, como se fosse uma prova que é preciso passar. No final, tudo é absorvido em favor de uma simplicidade, de uma necessidade de aceitação que o filme sente em relação ao espectador. "Juno" é Fox (Searchlight Pictures). Em Jarmusch o politicamente incorrecto existe, mas não nos termos em que se usa a expressão agora. Em Jarmusch há uma atitude política que é oposta à atitude dominante, ou seja, em vez de se movimentar de forma reguila dentro da atitude dominante, movimenta-se no seu exterior; na sua margem; independentemente. Jarmusch é a mise-en-scène da diferença.

É isto que interessa pensar, isto é, até que ponto insistir em chavões como indie ou cinema independente para filmes como "Juno" transforma uma simples catalogação em apagamento da diferença. Se "Juno" se vende como a diferença dentro do cinema americano e o receptor o recebe como tal, não há cinema independente a furar o mainstream. Há, sim, o mainstream a absorver uma idéia de diferença e a normalizá-la (o final de "Juno", por exemplo). Mais grave do que cinematograficamente "Juno" não ser Jarmusch é que já só há "Juno" e já não há Jarmusch. Estarei a exagerar um pouco? Não deixo de sentir que tudo isto é muito perigoso.

2 Comments:

Blogger Filipe Furtado said...

Eu acho que o que você deseja está lá nos filmes do Robinson Devor, John Gianvito ou Aaron Katz, o problema é a dificuldade que estes filmes tem de circular e a maneira como qualquer espaço que estes filmes recebam acaba sendo engolido na cobertura da impressa pelos destinados a estes pseudos indies. Como você estou longe de achar este Juno algo terrivel, mas me incomoda a mentalidade da impressa que propagou o press-release de que se tratava de um filme independente, mesmo sendo algo bem fácil de checar que ele a) foi uma produção desenvolvida dentro da Fox (sequer é um caso de filme que a Fox comprou como Little Miss Sunshine) b) o orçamento dele visivelmente impede que a expressão independente seja usada.

2:30 AM  
Blogger Daniel Pereira said...

Claro, o preocupante é o apagamento dos outros (os nomes que referiste, por exemplo) em favor de uma falsa independência, que no entanto é recebida como verdadeira.

E, se não estou enganado (alguém me corrija), esses três nomes que refriste nunca foram vistos em salas portuguesas.

10:46 AM  

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