Os mete-nojo
Ainda há bem pouco tempo, aquando da minha ida à Gulbenkian mencionada aqui, referia-me ao público mete-nojo (também já o tinha feito no Indie; aquando do DocLisboa, este espaço ainda não existia). O meu amigo Ricardo pedia-me nomes, e isso fez com que me pusesse a pensar e, talvez, tentar explicar o que quero dizer com isso, não vá alguém levar a expressão como simples ofensa minha a certas pessoas de que não goste.
Quando há um pequeno acontecimento cinematográfico - Indie, DocLisboa, Ciclos na Gulbenkian, início de ciclos na Cinemateca - eu encontro o público mete-nojo. Bom, nos inícios de ciclos na Cinemateca não os encontro porque os bilhetes estão esgotados antes da bilheteira abrir - o sistema de convites a funcionar na perfeição (a sala estará mesmo cheia? quem vai aí só quer ver esse filme? é que depois nos restantes filmes há sempre bilhete...). Adiante.
O que me irrita profundamente quando há algo assim é ver sempre as mesmas caras, o pessoal do meio artístico muito pequeno e muito bimbo (neste caso, variante de cinema), género "ai também vieste?" e tanto que gostam dos foyers que se esquecem que há um filme para começar e o atraso torna-se da ordem do normal.
Chateia-me ver o "Oxalá Cresçam Pitangas" (sobre Luanda) no Doc e sair a ouvir os meninos betos dizer "muita giro" ou não ver lá as pessoas a quem tal filme poderia sucitar um sentimento género "então é assim que está o meu país, a minha cidade". Chateia-me ver a competição nacional de curtas no Indie, com o público composto essencialmente por amigos, pessoal do cinema e pelos 7 cinéfilos interessados que por acaso lá estão, e os cineastas ficarem contentes (pelo menos, o seu intra-relacionamento não demonstra qualquer sentimento de necessidade de público). Chateia-me ir à Gulbenkian ver "O Estado do Mundo" e saber que não vou encontrar pescadores como os do "Germano", imigrantes como o Ventura ou chineses das lojas que toda a gente almadiçoa por esta altura para um pensamento sobre as mutações da sua China.
O público é sempre o mesmo, mete nojo, e incluo-me, desde já, nele para não me virem chatear sobre isto também depois. Não há vontade alguma para que se dê a arte a quem mais a merece - sim, aqui filio-me directamente no Straub que vem dizendo isso há muito tempo. É por isso que sinto um enorme prazer quando vejo Pedro Costa, que creio me compreenderia, entrar no espaço da Gulbenkian, descer as escadas, passar pelos mete-nojo e entrar na sala.
Venham dizer-me que o problema é estrutural, numa sociedade em completa destruição, sendo os motivos mais profundos do que os que aqui enuncio, compreendo e concordo. Mas ninguém me tira da cabeça que a maior parte dos criadores e dos interessados são grandes culpados, não se preocupando, refugiando-se na ideia de que a arte subsiste por si só. Também acho que o "Juventude em Marcha" é uma obra-prima, quer seja vista por 3 pessoas ou por 30 000. O irritante aqui é a interrogação que não me sai da cabeça: quantos mete-nojo que vangloriam Ventura no papel e entre eles, se dignariam a beber uma cerveja com ele? se dignariam a jantar num qualquer restaurante com ele? passar tempo com ele?
Quando há um pequeno acontecimento cinematográfico - Indie, DocLisboa, Ciclos na Gulbenkian, início de ciclos na Cinemateca - eu encontro o público mete-nojo. Bom, nos inícios de ciclos na Cinemateca não os encontro porque os bilhetes estão esgotados antes da bilheteira abrir - o sistema de convites a funcionar na perfeição (a sala estará mesmo cheia? quem vai aí só quer ver esse filme? é que depois nos restantes filmes há sempre bilhete...). Adiante.
O que me irrita profundamente quando há algo assim é ver sempre as mesmas caras, o pessoal do meio artístico muito pequeno e muito bimbo (neste caso, variante de cinema), género "ai também vieste?" e tanto que gostam dos foyers que se esquecem que há um filme para começar e o atraso torna-se da ordem do normal.
Chateia-me ver o "Oxalá Cresçam Pitangas" (sobre Luanda) no Doc e sair a ouvir os meninos betos dizer "muita giro" ou não ver lá as pessoas a quem tal filme poderia sucitar um sentimento género "então é assim que está o meu país, a minha cidade". Chateia-me ver a competição nacional de curtas no Indie, com o público composto essencialmente por amigos, pessoal do cinema e pelos 7 cinéfilos interessados que por acaso lá estão, e os cineastas ficarem contentes (pelo menos, o seu intra-relacionamento não demonstra qualquer sentimento de necessidade de público). Chateia-me ir à Gulbenkian ver "O Estado do Mundo" e saber que não vou encontrar pescadores como os do "Germano", imigrantes como o Ventura ou chineses das lojas que toda a gente almadiçoa por esta altura para um pensamento sobre as mutações da sua China.
O público é sempre o mesmo, mete nojo, e incluo-me, desde já, nele para não me virem chatear sobre isto também depois. Não há vontade alguma para que se dê a arte a quem mais a merece - sim, aqui filio-me directamente no Straub que vem dizendo isso há muito tempo. É por isso que sinto um enorme prazer quando vejo Pedro Costa, que creio me compreenderia, entrar no espaço da Gulbenkian, descer as escadas, passar pelos mete-nojo e entrar na sala.
Venham dizer-me que o problema é estrutural, numa sociedade em completa destruição, sendo os motivos mais profundos do que os que aqui enuncio, compreendo e concordo. Mas ninguém me tira da cabeça que a maior parte dos criadores e dos interessados são grandes culpados, não se preocupando, refugiando-se na ideia de que a arte subsiste por si só. Também acho que o "Juventude em Marcha" é uma obra-prima, quer seja vista por 3 pessoas ou por 30 000. O irritante aqui é a interrogação que não me sai da cabeça: quantos mete-nojo que vangloriam Ventura no papel e entre eles, se dignariam a beber uma cerveja com ele? se dignariam a jantar num qualquer restaurante com ele? passar tempo com ele?
4 Comments:
Não há dúvida que iniciaste uma bela de uma polémica. Vou esperar para ver os comentários que aperecem e depois dou a minha opinião.
Eu não me importava.
Dou-te um exemplo cinemateco: ante-estreia de Belle Toujours. Alves telefonando às 14.32 e ouve "Lamentamos, mas já está esgotado". Passado uns dias confidenciam-me que metade dos convivas não apareceu e foi preciso abrirem a sala ao público...
Mas eu, com jeitinho, também sou um mete-nojo.
Como já te disse há dias, concordo parcialmente com o teu comentário; a meu ver os mete-nojo de que falas são mais a classe política e os membros da socialite, que acabam por encher os lugares da Cinemateca (ou baldando-se nas Ante-estreias, como diz o Hugo) e não têm interesse nenhum em ver o filme, do que as pobres pessoas da área do cinema, que vêm para a cerimónia do "ai também vieste?", porque essas têm que aparecer para se lembrarem delas, e ainda vão tendo uma leve ideia do filme que vai passar. Mais facilmente prefiro dialogar com artistas fascinantes e sem cheta, do que gente beta que ganha muito mais dinheiro do que deveria.
Vou citar algumas passagens tuas, umas concordei, outras discordei:
“e o atraso torna-se da ordem do normal.”
Isto é bem verdade. Posso simpatizar imenso com a malta do cinema, mas se há coisa que deteste é chegarem atrasados às sessões. Se querem tertúlia, que combinem uma saida!
“Chateia-me ver o "Oxalá Cresçam Pitangas" (sobre Luanda) no Doc e sair a ouvir os meninos betos dizer "muita giro"”
Esta é acutilante, man. Concordo plenamente. Morte aos betos!
“ou não ver lá as pessoas a quem tal filme poderia suscitar um sentimento género "então é assim que está o meu país, a minha cidade".”
Esta já não concordo tanto, pois estás a ser demasiado sonhador. As pessoas a quem isso poderia interessar infelizmente não vão porque a cultura delas vem pela televisão. É triste mas é a verdade.
“e os cineastas ficarem contentes (pelo menos, o seu intra-relacionamento não demonstra qualquer sentimento de necessidade de público).”
Posso garantir-te que nenhum cineasta fica contente de só ter um pequeno conjunto de amigos no público, por mais que tentem sorrir. Eles bem disfarçam, quando falamos com eles, mas podemos imaginar facilmente o regresso a casa, e a sensação de frustração – todo o criador quer ter algum sucesso comercial.
“saber que não vou encontrar pescadores como os do "Germano"”
Eh lá! Pescadores a verem sessões ultra-culturais na Gulbenkian! Isso então é que seria mesmo……impossível.
“O público é sempre o mesmo, mete nojo, e incluo-me, desde já, nele para não me virem chatear sobre isto também depois.”
Tu não és público mete nojo, man. Tu és um cinéfilo interessado, ponto final.
“quantos mete-nojo que vangloriam Ventura no papel e entre eles, se dignariam a beber uma cerveja com ele? se dignariam a jantar num qualquer restaurante com ele? passar tempo com ele?”
Se o Ventura for estilo a sôra dona Vanda, do filme “No Quarto da Bigodaça”, receio bem que não tomaria nenhuma cerveja com ele, muito menos tentaria falar com ele… É que eu não gosto mesmo dos filmes de Pedro Costa…
Posto isto, espero que não fiques chateado com algumas coisas que eu não concordei, mas no geral creio que a ideia do texto foi bastante boa e deu para entender bem um ponto de vista mais pessoal.
Ricardo, a questão não é ser sonhador. A questão é que o cinema devia ser para todos. Enquanto tu achas que é impossível, eu acho que tem que ser possível. Tem que ser. É preciso lutar para que isso aconteça e não desisitr por ser uma tarefa árdua.
É preciso que o cinema liberte as pessoas da ditadura audiovisual em que vivem.
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